terça-feira, 26 de abril de 2011

História - Manuel e os pássaros

No tempo em que os meninos trabalhavam de criados, havia uma patroa muito má que tomara a seu serviço um rapazinho, o Manuel, a quem dava ordens por tudo e por nada, qual delas a mais disparatada. No quintal, a senhora dona tinha uma figueira que, nesse ano, dera um único figo. Pois não é que a maluca da mulher exigiu ao Manuel que estivesse todo o tempo de atalaia, não se desse o caso de os pássaros cobiçarem o figuinho? - Quero comê-lo, quando estiver maduro. Ai de ti, se deixares os melros roubarem-no.

Bem os afugentava o garoto, mas os passarocos de bico cor de laranja são teimosos. E gulosos... Às duas por três, adeus figuinho.

- Maldito miúdo. Vais pagar-mas - gritou a megera.

E meteu-o de castigo numa pipa vazia, às escuras. Sorte para o Manuel que os melros tivessem sabido. Logo convocaram os pica-paus e outros passarinhos de bico duro. Todos juntos, toc toc toc, libertaram o Manelinho. Depois, uma águia, que também tinha sido chamada para ajudar, levantou o rapazinho nos ares. A patroa viu-os e foi buscar uma caçadeira, mas já não chegou a tempo. Era mesmo má a criatura. A águia sobrevoou montes, campos, pinhais, aldeias, como se andasse à procura não se sabe de quê, até que poisou o Manuel num quintal, onde havia uma figueira. Depois, bateu as asas e desapareceu. O rapaz, ainda meio tonto, viu a figueira e nela um único figo lampo.

Que desgraça a minha. Vai voltar tudo ao princípio", pensou o Manuel. De dentro da casa, donde era o quintal, apareceu uma velhota. O miúdo encolheu-se e pensou:

Estou mesmo com azar. Esta há-de ser ainda mais torta do que a outra".

- Como te chamas? - perguntou a velha.

- Manuel, para a servir.

- Para me servires? - riu-se a velha, num riso desdentado.

- Eu nunca tive criados, mas querendo, podes ficar a cuidar-me da horta. Queres?

- Sim, minha senhora.

- Estamos acertados. E, olha, enquanto te preparo umas sopas, lambe-te com aquele figuinho único que a figueira me deu.

- A senhora não o quer para si?

A velhota fez uma careta. - Não me dou bem com figos e tu puseste-te a olhar para ele como nunca vi ninguém olhar para um figo. Deve ser da fome que trazes. O Manuel chamou a si o figo e pronto. Enquanto saboreava o figo e a velhinha, enternecida, sorria para ele, o Manuel pensou:

Valera a pena conhecer as alturas, porque a águia sabia onde me deixava." Também estamos em crer que sim. As águias, lá de cima, vêem muito, olá se vêem.

Sem comentários:

Enviar um comentário